08/11/12

Os dias



Eu disse que não e ele queimou-me uma ponta de cigarro no meio do peito. Não chorei.
Chicoteei-lhe o olhar com o meu olhar ferido e ele riu-se à gargalhada deixando os podres dentes da frente à mercê da minha ira. Não lhe bati.
Enquanto me sacudia toda pelos ombros e me chamava cabra eu lembrava-me da candura dos meus quinze anos, de sonhar com um rapaz que se enamorasse de mim, ajoelhasse o seu amor eterno, beijos quentes e demorados em noites de lua quando as promessas se espelham nas ondas prateadas do mar.
A sua mão corpulenta de veias grossas e dedos calejados agarrou-me a nuca pelos cabelos, girou a minha cabeça para a esquerda como se estivesse a abrir um molho de conserva com tampa ferrugenta de rosca. Senti algo de muito frágil quebrar-se no meu pescoço. Com a outra mão arqueou as minhas costas em cima da mesa da cozinha, rasgou-me a saia com um puxão e do pulsar quente se fez gelo, da voluptuosa carne se fez mofo. Não reagi.
De repente fomos surpreendidos pela nossa filha de sete anos: outra vez, pai? E ao virar as costas apresentou-me a minha Revolta, a minha Ira, a minha Raiva.


Então despertei. E em plena consciência Agi!


Foto: Leko Machado