20/03/13

Imigransia


Nun noti kaladu
Na kalseta di mar
Nha gaivota a vapor
Guian nha xintidu
Pa meiu di mundu

Sen kaminhu pensadu
Nha korpu pa dianti
Nha sombra nburdiadu
Ka xinti silensiu
Di bai nha kaminhu

Sakrifisiu di alma
Lapidu na bolsu
Nha boka sustedu
Nun lagua na bentu
Konsolan nha viaji

Ku medu nbrasadu
Nsukuta un strela
Prindadu na seu
Ta kanta poizia
I nseta nha distinu

by Johnny Pina

18/03/13

Sodade, oh mar, oh gente...


Santiago possui várias coordenadas de sonhos, de afectos, de criatividade, de gritos e de silêncio. Tudo no caminhar da vida que cruza vários momentos de construção e de consolidação. A Cidade Velha é o palanque de festa da criação, de momentos em que os corpos dos sexos desnaturados encontram momentos de confrontos. Branco e Preto, e branco na preta, corporizando a hibridação crioula. A dor de sangue, no confronto da urbe, deu lugar criações e desafios para uma nova largada no funco, nas achadas e   cutelos. Santiago repartido; nos gritos vagabundos dos badios que no seu ambiente ecológico brindam com protestos e revoltas; e o silêncio maquinal dos senhores brancos orquestram represálias. Santiago cresceu, que nesse ambiente de incógnita fermenta esperança com os mestiços, pretos e brancos, nas nuvens à guarida das caravelas, de saques e sotaques. Na fortaleza, de armas apontadas para outras realezas, no plateau para mirar outras urbes e questionar o mar. 
Santiago, de arranjos berrantes, segue a pegada de novos mares e ares. Senhor cavaleiro que monta o tempo, no passeio das nuvens, no seu caminhar demansinho. Orquestra várias trajectorias no céu e depois fala com o São Pedro, o manda chuva de sonhos e de esperança. A chuva cai, e Amilcar Cabral escreve «Mamãe Velha» que Alcione imortaliza. Nas vertentes da ilha, acasos d'agua alimentam esperanças. Romarias de mãos cruzadas, de alfaias que tecem o chão com milhos, feijões, de frutas que o povo desfruta, com prazer. Santiago quando chove é uma ilha no paraíso; é como as revistas de Jeová que idealiza o paraíso. Todos contentes na corrente da abundância e na brejeirice dos badios. Os badios são conhecidos como ingratos que brinca com a abundância; põem nomes à tudo que faz parte da moda. Engraçados os seus sorrisos e conversas em tons graves; sem malícia, tudo na harmonização de uma boa fartura. 
Plateau, depois que se torna cidade, na contra-corrente do decante Ribeira Grande, ganha novos corpos e se desliga do todo, malgrado o seu poder administrativo, económico... Simbolicamente, impôs os seus trilhos e regras de jogo. Se desliga das tradições populares, e o povo fica no mercado e no espaço público. Se descontinua nas suas relações sexuais com os brabos das urbes.   
Santiago é um senhor gigante, balenti... trovador de sons que consegue traduzir só de ouvidos nas casas de mais poderosos. Mas também criou almas no desconforto, para a harmonização nas comunidades; o batuque, a tabanca, o funana tocados em tons frenéticos exorcizando medos e demónios encapuçados. 

16/03/13

Reis Meninos


Em cortinas de incerteza
O Sol no cume do vento
Reluz nos pássaros a beleza
E pedras húmidas ao relento
Abarcam a vida do caçador
Em terras de reis meninos
Erguendo no ser o seu temor
E na glória as vozes dos hinos

Caravelas de sonhos velejam
Na estrada do faro animal
Os injustos apedrejam
A sombra do pobre castiçal
E em tons robustos de cobrança
O caçador guia-se pela caça
E o reino abastado pela fiança
Vai cantando ao vento que passa

Na ponte dos olhos, as migalhas,
As sobras de um cheiro insabor
Crescem nos ombros das navalhas
Enraizados nas mãos do caçador
Que lavram com medo o escuro
E, em pésinhos de fada, caminhar
Levando na alma um sonho futuro
De um dia a paz e glória respirar

by Johnny Pina

05/03/13

A Solidão da Brava

Toda a gente conhece certamente aquela velha expressão: «à terceira é de vez.» Pois, apesar do mar picado em Djarfogo, consegui seguir viagem enquanto o burkan apanhava uma djonga! A viagem foi tranquila. O tal barco da companhia CVFF, que faz diariamente a ligação marítima entre Fogo e Brava, não tem um convés superior para melhor apreciar a paisagem, sentir a brisa do mar e observar o manto azul que se estende no horizonte. Queria eu passar a viagem toda espreitando as estrelas no céu e as ondas numa balada, ao invés de desfazer-me em gargalhadas por causa da meia dúzia de indivíduos que em terra são certamente valentes mas ali riba da água do mar não conseguiam nem pestanejar os olhos. Oh nhordés, que tristeza! Pouco tempo depois, o barco atracou na Brava. Do porto de Furna à Nova Sintra, também a viagem foi bem-humorada, entrelaçada com os reparos sobre a chegada do asfalto à ilha e as infindáveis noventa e tal curvas em tão pouco quilómetro de distância.

Diga-se que esta pequena ilha da Brava era antigamente a estrela do poeta imortal, Eugénio Tavares. E é agora uma velha quase esfarrapada e tão desamparada, sem o brilho dos seus vinte anos. Porém, já dizia o meu avô, «chave velha não se deita fora.» Quem sabe, junto com as outras peças soltas e dispersas, poderá ser a chave do futuro, a prever: turismar! Não estou em dias de protestar, apetece-me falar tão-somente da minha maravilhosa aventura no Ilhéu de Riba, ali na ilha da Brava. Foi um momento mágico, daqueles que ficam para recordar um dia. Euzinha desbravando tantas águas num dia que se dizia de mar brabo. Marinheira que sou, passei a viagem toda fotando ora a face da orgulhosa ilha do Fogo ora a tímida silhueta da ilha da Brava que ia ficando para lá das ondas maiores. Chegando ao Djéu di Riba, como é também carinhosamente apelidado, as surpresas iam sucedendo a cada passo. Em toda a minha vida, nunca tinha trilhado tão feliz da vida por entre as poeiras do tempo. Estar ali, uma tarde toda, cantarolando, fez-me recordar dos anos idos em que, ainda criança, catava conchinhas nas enseadas pela encosta de minh’aldeia: a secura, o sol escaldante, o cheiro húmido da maresia, a melodia das ondas e o areal ardente que a gente pisa com a pontinha dos pés. Toda esta emoção é maior do que o mar, que o céu! E no cambar da noite, mais um afago da ilha.