I.
- Terra pobre, maltratada pela
seca, varrida pelo vento e resgatada pelo sonho. - É com esta frase melancólica
que o poeta Fragoso descreve o novo solistício para uma nova era. A
independência de Cabo Verde sopra com emoções o povo das ilhas. Ventos de
sorrisos embalam os corpos dos crioulos das ilhas num salutar momento de festa.
Também exige momentos de reflexões para um desafio maior; como suster e
sustentar todos os ingredientes de uma natureza ingrata, tecida pelo fogo do
sol e fermentada no barro da resistência. Como dar a dignidade ao povo das
ilhas no momento de incógnita. A chuva, quando vem, malha a alma crioula,
alimenta os sorrisos dos camponeses das ilhas. Quando falhava, era a
mortandade, êxodos e processões e outros rituais que faziam fé na bondade
divina. A palavra de ordem era construir, fintar o destino e fintar o tempo. Os
socalcos, diques, servem de travesseiros às várias travessas, vales e cutelos
das ilhas. Tratando-se de construções do desespero, de desconfiança para com o
futuro.
- Fragoso, fragoso, acorda
homem. Hoje é o Dia da Independência. Vamos à várzea, lá está reunida o povo. –
É com essas frases de entusiasmo que Juvêncio acorda
o Fragoso. Com brilhos nos olhos, a cara exclama com alegria e contentamento. A
boca goteja, cuspinho de nervosismo, com palavras cortadas e gestos sinfónicos.
Satisfação sim no momento impar na história de um povo.
- Calma
homem. Não estou a dormir meu amigo. Estou pensando no futuro dessas ilhas. No
passado ao presente tem sido duro… mas o futuro, não sei. Juro que não sei. –
Com emoção e estilo ponderado que Fragoso sustenta as suas inquietações. De
face, comida pelo tempo, cogita pacientemente as caminhadas nem sempre de
glórias. Momentos há que a fome não perdoara famílias, haveres e afazeres. A
migração para São Tomé tornara no calvário para muitas famílias. O mar de
Kepona não deixara muitas saudades. Enfim os traços da história são tantos que
inquietam qualquer alma. Fragoso é um homem seguro de si. Aprendeu a ler e a
escrever com os militantes, pró independentista, na clandestinidade. Entrara na
fileira de recrutamento de activistas políticos como forma de contribuir para a
independência das ilhas. Fora preso político no Tarrafal de Santiago, antigo Campo
de Trabalho Forçado. O Fragoso lembra como se fosse hoje, as atrocidades
impostas pela disciplina fascista.