Quando ele, o Roberto regressava
de São Vicente, aos domingos a gente ia jogar a bola. De segunda a sábado, sempre
depois do almoço, ele e o Marcelino iam deitar de costas para o chão no fundo
de um rego em baixo de uma mangueira. Os seus corpos frescando sobre uma
respiração afável da terra, enquanto iam conversando sobre os ciclos da
agricultura e as coisas passadas na sua ausência, para chamar o sono. Sempre um
dormia primeiro e o outro por alguns segundos ou minutos continuava conversando
sozinho, até que o sono dele chegava. O dele não sei, (se fosse hoje eu lhe perguntava)
mas o dele, Roberto, seu sono, era um meio sentir de cosmos, sonhos de meio
acordado, num brilharete do vento dançando sobre as folhas da mangueira. Era um
sono meigo, que repunha as energias eléctricas do seu corpo. Era um sono leve,
de lavar e purificar, de deixar tudo no seu lugar e num estado de absoluta
mansidão, naquela ribeira onde durante a tarde, só se ia escutar o repercutir da
enxada volvendo e formando finos caroços de terra molhada. As tardes eram de
dois solitários. Eram do esforço físico de execução do trabalho que cansava o corpo, mas que electrizava os nervos, deliciava os ouvidos, aquele barulhozinho comparado de enxadas, quase sempre como percussão de tambores de pele bem
puxada. Ensinou-lhe tanta coisa, sobre agricultura. E sempre lhe convidava, àquele
tal gesto de escorrer um trago pela garganta, bater a mão afirmativamente no
peito.
- Material bom da terra.
Geralmente acordavam, logo que as
primeiras sombras começassem as descer pelos cantos do círio. Ele tirava a
preguiça do corpo, tomava um trago e repetia sempre.
- Esta vida é dura, não fui mas
tu tens que continuar na escola.
Retomavam o trabalho da enxada
para o que faltava do dia, ele mais treinado do que ele, o estudante chegado de São Vicente, pele clareada pelo arzinho do mar de Mindelo. E ainda já grande,
quando deixava a ilha chorava sempre, as vezes três dias seguidos. Por isso, e
hoje quando seu coração fica entediado, lembra que não gostava de ver o barco
atracar, jogar-se nele como piolho, no mar sem figueiras, nos braços e nos
balanços do mar de São Vicente.