05/12/12

«Memória...» | A História da Intriga Daria um Romance

Quem não conhece a expressão «fládu-flâ» (falado falou)!? Ok, é isso aí! A intriga palaciana é uma coisa antiga em Cabo Verde. Lembram-se que, depois de 1462, toda a casta de gente desembarcou no solo caboverdiano. Fidalgos, criminosos, aventureiros e escravos. Homens e mulheres. Desde aquele tempo remoto, a intriga fez a sua caminhada até aos dias de hoje, das novas tecnologias. A intriga por si só daria um romance, não apenas uma ficção histórica. Basta estar atento à actualidade para se enxergar uma certa modernização do acto de intriga. Da vida quotidiana à alta política, nada passa ao lado da intriga. E, se calhar, a intriga tem a força de fazer as coisas acontecerem: na vida quotidiana, se alguém disser que fulana está grávida, a barriga despontará mais cedo do que tarde; na alta política, um pouco por todo o arquipélago, quantos não vivem da intriga? Este intróito é para partilhar convosco duas notas de um ex-governador de Cabo Verde sobre a intriga:

«A experiência tem mostrado [...] que os homens (sic) [...] de noute se empregão invariavelmente em deboche de jogo [...] e bebidas espirituosas e de dia a intrigar por mil meios differentes, naquelles dias em que se levantão com força para isso; porque naqueles dias em que estão tão debilitados que não podem nem com este trabalho dão parte de doentes e então intrigão deitados. Em Cabo Verde, tive muitas e muitas semanas, em que só estavão promtos eu e hum preto official da Secretaria, porque todos os outros tinhão dado parte de doente, entretanto todos intrigavam incessan-temente.»

«Em política, há ridículos intrigantes, que fazem profissão e vivem d’intrigar por casas particulares e por entre os seus amigos, a fim de com huma impostura da maneira política mais da moda, e que então tem mais venda, se possam introduzir e colher aquelles interesses, que por meios de honra não lhes seria possível [...]; essa espécie de mascateiros hé horrível nas sociedades, e desacredita o systema político a que se encostão, e a que fingem pertencer» (cf. DP).

Quem não vê a actualidade destas passagens?! No livro de Daniel Pereira, há mais passagens que merecem uma leiturazinha nos dias de hoje.

Ps.: Joaquim Pereira Marinho, português, foi governador de Cabo Verde por duas vezes (1835-1836 e 1837-1838), num tempo em que os governadores mal se sentavam na poltrona saiam de lá a voar (por intrigas, claro!).