Elogio À distância e Às
memórias
[Um. Do Algarismo Romano]
Sem inversões de marcha,
o cardume cabo-verdiano ainda na aba do chapéu [esta angústia de repartir o pão
com a navalha] tinha na boca o remendo da viagem: de chegar de improviso,
trôpego e com a sede aguda das águas claras da ilha de Santiago na língua. A
Cidade Velha com os seus Hunos guerreiros espraiados nas pulgas dos gatos
inventara a tecnologia de como beber a frescura lírica da Lua. Outrora íamos de
relampejo pregar partidas no transbordo dos navios transatlânticos nos senis
recados dos curandeiros — e pouco saíamos da órbita para não desarrumamos o Universo
— que Mindelo soube imitar. Teleguiávamos as coisas que subiam aos juncos dos
céus: como os papagaios na transportação da chuva e os sóis siameses agarrados
na cintura da fruta ou engrampados no voo das aves — a migração dos crustáceos.
Caminhávamos à procura do pão da linguagem na embocadura do porto,
contrabandeamos retratos insolvíveis nas paragens onde íamos semeando as
plantações genealógicas da seca. A nossa sina é colar vírgulas em todos os
nomes esdrúxulos nas estações do comboio e acentuações tónicas no cais dos
continentes noturnos no desembarque dos camponeses. A trajetória moída para ser
a língua do sal ou azul uniforme da Europa metropolitana no útero embrionário e marítimo
que dá vida à Veneza das alucinações ― donde se julga virem todas as espécies in-vitro da experiência divina; ou ainda, da
primeira América marcada com um xis num erro de cálculo na fabricação de
impérios. Nenhum Cabo Verde por engano, que não seja tão-somente a demora
longínqua do Cais Velho da Alfândega da Gamboa ao sacudir o arquipélago nos
chifres das cabras. Elaboramos o abismo — a asa que queima a borboleta — por
termos o chão efémero da aragem guardado entre as areias da praia de São
Francisco e o fim do mundo. Evitamos a água da África, presumindo que toda a
aritmética do azar faz-se no derrube convencional do Pico de Antónia fresco na
sua escama de animal aquático.