20/12/12


Elogio À distância e Às memórias
[Um. Do Algarismo Romano]

Sem inversões de marcha, o cardume cabo-verdiano ainda na aba do chapéu [esta angústia de repartir o pão com a navalha] tinha na boca o remendo da viagem: de chegar de improviso, trôpego e com a sede aguda das águas claras da ilha de Santiago na língua. A Cidade Velha com os seus Hunos guerreiros espraiados nas pulgas dos gatos inventara a tecnologia de como beber a frescura lírica da Lua. Outrora íamos de relampejo pregar partidas no transbordo dos navios transatlânticos nos senis recados dos curandeiros — e pouco saíamos da órbita para não desarrumamos o Universo — que Mindelo soube imitar. Teleguiávamos as coisas que subiam aos juncos dos céus: como os papagaios na transportação da chuva e os sóis siameses agarrados na cintura da fruta ou engrampados no voo das aves — a migração dos crustáceos. Caminhávamos à procura do pão da linguagem na embocadura do porto, contrabandeamos retratos insolvíveis nas paragens onde íamos semeando as plantações genealógicas da seca. A nossa sina é colar vírgulas em todos os nomes esdrúxulos nas estações do comboio e acentuações tónicas no cais dos continentes noturnos no desembarque dos camponeses. A trajetória moída para ser a língua do sal ou azul uniforme da Europa metropolitana no útero embrionário e marítimo que dá vida à Veneza das alucinações ― donde se julga virem todas as espécies in-vitro da experiência divina; ou ainda, da primeira América marcada com um xis num erro de cálculo na fabricação de impérios. Nenhum Cabo Verde por engano, que não seja tão-somente a demora longínqua do Cais Velho da Alfândega da Gamboa ao sacudir o arquipélago nos chifres das cabras. Elaboramos o abismo — a asa que queima a borboleta — por termos o chão efémero da aragem guardado entre as areias da praia de São Francisco e o fim do mundo. Evitamos a água da África, presumindo que toda a aritmética do azar faz-se no derrube convencional do Pico de Antónia fresco na sua escama de animal aquático.