16/09/13

Tese sobre a lucidez

Tenho estado sóbrio
até ao último gole de uísque

Agora tento sincronizar
a ginástica acrobática
dos meus passos desarranjados

arrumar a bagunça da rua
alinhar as calcetas da estrada
ajeitar a cidade de Lisboa
e caminhar para a caverna
juntar os meus esqueletos embriagados
na inundação do meu espaço côncavo

ao dobrar a esquina

[…Bairro Alto concupiscente,
 no alto mês de Outubro
outro poema]

examino os pontos cardeais memorizados
os itinerários esquecidos

para acertar nos passos.

12/09/13

Entreposto de uma alma impura




















Vejo uma cruz cinzenta ao pé da encosta que me viu nascer 
Com meu nome escrito por extenso 
Encho minha pele de verrugas
Cuspo no chão que me negou a sorte.
Menosprezo meu ventre que tão bem me acolheu

Parto sem rumo a procura de um norte que me abrigue.
Parto a procura da diferença que me faça, por segundos,
Enternecer meu ventre, entrar no presente
E saborear o sabor do vento.

Parto a procura de uma enchente de ternura
Que não saiba a carinho explícito,
Que não seja adocicado demais
Que não seja do tamanho do meu ego aparente
Que não seja nem meu nem eu.

Parto, estico os braços e por instantes,
De olhos fechados, sinto-me fora de mim,
Toco na minha pequenez, rio de meu próprio reflexo
Reflectido nos tornozelos de minha sombra.

Parto a procura de sensações entusiásticas
Que me façam criar, circunstancialmente, um palco
Onde consiga escolher o repertório inteiro
E seja o mais próximo de um eu
Que nunca terei a certeza que seja o meu.

Parto a procura de sensações
Nos mais pequenos pormenores
Que me saibam dizer, em silêncio,
Onde se esconde a minha sombra.
Que me aponte caminhos,
Que me faça ver pegadas.

Parto e não sei se volto.
Não sei se devo olhar para trás.
Talvez já tenha, no mais recôndito de minha alma, espreitado la para fora
Mas não sei dar conta de que lados se esgueirou,
Sorrateiramente, minha alma nos seus lastros de lucidez.

Olho para a frente e não sei, no instante presente,
Dar sentido e vida ao que vejo.
Tento desesperadamente olhar bem no fundo
Aquilo que presumo ser meu som em nítido desprezo
Para com as luzes que se apontam na minha direcção
A espera de um aceno.
De um toque apenas.

Parto, mas não sei se volto.
Parto apenas. Sempre.

29/05/13


É a menina uma concha
que tem no interior um pão vermelho
e quente que quer ser mordido
a começar já pela água da pele
seios, as nádegas, beijos
gotas de transpiração e uma oásis
de sangue fechada na gaiola

 
Escorrega do tacto ainda que arde
a órfã de dedos uma euforia de flor
preste a explodir a doçura pura da fruta
numa oferenda à canção minúscula
o único paladar do outro corpo
cheio de água e mil fios de cabelos
entre fôlegos despedaçados da harpa.

27/05/13

Meu encontro com África. Parte I














Por entre as escadarias de minha sombra, encontro-me com os melaços de uma pele desconhecida. Em metamorfoses sibilantes com as cores quentes de um mundo até então por mim desconhecido. África. Danço nas rotinas de meu sono, nos tambores da noite, nos zumbidos dos bichos. Danço ao som de músicas que nunca me chegaram senão aos vértices e me passaram despercebidas, porque de mim, pensava, nada me dizerem respeito.

A arena empoeirada, os pés furados pelo sol, descalços. Olhares mansos, profundos, catalisados, perfurantes, por vezes medonhos, incógnitos, fizeram-me, em tempos, recuar. Sair de meu trilho.

Hoje arrasto os sons, em silêncio, no rosnido da noite, por entre meus vértices, minhas curvas. Trespassam-me. Vão mais fundo.

26/05/13

Que sabores têm a fruta no olhar?
A finta dos gestos e os enganos do sorriso
E a luz lá fora que te suga o ar da boca
é a cortina que esconde-te o quadrado
da saudade planta na pele, sei lá!

É o retrato e a sua língua e os fios de cabelos
o vazio em círculo a magica da mesma fruta nos olhos
os ângulos estas coisas feitas para te espiar
e hoje quero estar  ao lado do mel do espelho
para ser pacientemente revisto.

25/04/13

"Remar no ângulo reto na incursão"



Remar no ângulo reto na incursão
da última pedrada Caçar na bainha da unha
os anéis de Saturno Sopros apertados no nó do sapato
apodrecem na caligrafia da expressão da cara

Descolagem de aviões nos hélices dos ovos
que bebem o som agudo da máquina de escrever
recados nos telhados da Lisboa em chama
e a cidade da Praia arde em papel
enquanto os insetos dragam a ranhura dos dentes
o sémen incendeia no olfato

Átomo seco na fundura do cabelo
faz uma vírgula e um laço hirto
no menear dos astros Fica ali longe
fósforo na posição do farol distante do penteado
das areias que conservam na escama humana da fauna.

20/03/13

Imigransia


Nun noti kaladu
Na kalseta di mar
Nha gaivota a vapor
Guian nha xintidu
Pa meiu di mundu

Sen kaminhu pensadu
Nha korpu pa dianti
Nha sombra nburdiadu
Ka xinti silensiu
Di bai nha kaminhu

Sakrifisiu di alma
Lapidu na bolsu
Nha boka sustedu
Nun lagua na bentu
Konsolan nha viaji

Ku medu nbrasadu
Nsukuta un strela
Prindadu na seu
Ta kanta poizia
I nseta nha distinu

by Johnny Pina

18/03/13

Sodade, oh mar, oh gente...


Santiago possui várias coordenadas de sonhos, de afectos, de criatividade, de gritos e de silêncio. Tudo no caminhar da vida que cruza vários momentos de construção e de consolidação. A Cidade Velha é o palanque de festa da criação, de momentos em que os corpos dos sexos desnaturados encontram momentos de confrontos. Branco e Preto, e branco na preta, corporizando a hibridação crioula. A dor de sangue, no confronto da urbe, deu lugar criações e desafios para uma nova largada no funco, nas achadas e   cutelos. Santiago repartido; nos gritos vagabundos dos badios que no seu ambiente ecológico brindam com protestos e revoltas; e o silêncio maquinal dos senhores brancos orquestram represálias. Santiago cresceu, que nesse ambiente de incógnita fermenta esperança com os mestiços, pretos e brancos, nas nuvens à guarida das caravelas, de saques e sotaques. Na fortaleza, de armas apontadas para outras realezas, no plateau para mirar outras urbes e questionar o mar. 
Santiago, de arranjos berrantes, segue a pegada de novos mares e ares. Senhor cavaleiro que monta o tempo, no passeio das nuvens, no seu caminhar demansinho. Orquestra várias trajectorias no céu e depois fala com o São Pedro, o manda chuva de sonhos e de esperança. A chuva cai, e Amilcar Cabral escreve «Mamãe Velha» que Alcione imortaliza. Nas vertentes da ilha, acasos d'agua alimentam esperanças. Romarias de mãos cruzadas, de alfaias que tecem o chão com milhos, feijões, de frutas que o povo desfruta, com prazer. Santiago quando chove é uma ilha no paraíso; é como as revistas de Jeová que idealiza o paraíso. Todos contentes na corrente da abundância e na brejeirice dos badios. Os badios são conhecidos como ingratos que brinca com a abundância; põem nomes à tudo que faz parte da moda. Engraçados os seus sorrisos e conversas em tons graves; sem malícia, tudo na harmonização de uma boa fartura. 
Plateau, depois que se torna cidade, na contra-corrente do decante Ribeira Grande, ganha novos corpos e se desliga do todo, malgrado o seu poder administrativo, económico... Simbolicamente, impôs os seus trilhos e regras de jogo. Se desliga das tradições populares, e o povo fica no mercado e no espaço público. Se descontinua nas suas relações sexuais com os brabos das urbes.   
Santiago é um senhor gigante, balenti... trovador de sons que consegue traduzir só de ouvidos nas casas de mais poderosos. Mas também criou almas no desconforto, para a harmonização nas comunidades; o batuque, a tabanca, o funana tocados em tons frenéticos exorcizando medos e demónios encapuçados. 

16/03/13

Reis Meninos


Em cortinas de incerteza
O Sol no cume do vento
Reluz nos pássaros a beleza
E pedras húmidas ao relento
Abarcam a vida do caçador
Em terras de reis meninos
Erguendo no ser o seu temor
E na glória as vozes dos hinos

Caravelas de sonhos velejam
Na estrada do faro animal
Os injustos apedrejam
A sombra do pobre castiçal
E em tons robustos de cobrança
O caçador guia-se pela caça
E o reino abastado pela fiança
Vai cantando ao vento que passa

Na ponte dos olhos, as migalhas,
As sobras de um cheiro insabor
Crescem nos ombros das navalhas
Enraizados nas mãos do caçador
Que lavram com medo o escuro
E, em pésinhos de fada, caminhar
Levando na alma um sonho futuro
De um dia a paz e glória respirar

by Johnny Pina

05/03/13

A Solidão da Brava

Toda a gente conhece certamente aquela velha expressão: «à terceira é de vez.» Pois, apesar do mar picado em Djarfogo, consegui seguir viagem enquanto o burkan apanhava uma djonga! A viagem foi tranquila. O tal barco da companhia CVFF, que faz diariamente a ligação marítima entre Fogo e Brava, não tem um convés superior para melhor apreciar a paisagem, sentir a brisa do mar e observar o manto azul que se estende no horizonte. Queria eu passar a viagem toda espreitando as estrelas no céu e as ondas numa balada, ao invés de desfazer-me em gargalhadas por causa da meia dúzia de indivíduos que em terra são certamente valentes mas ali riba da água do mar não conseguiam nem pestanejar os olhos. Oh nhordés, que tristeza! Pouco tempo depois, o barco atracou na Brava. Do porto de Furna à Nova Sintra, também a viagem foi bem-humorada, entrelaçada com os reparos sobre a chegada do asfalto à ilha e as infindáveis noventa e tal curvas em tão pouco quilómetro de distância.

Diga-se que esta pequena ilha da Brava era antigamente a estrela do poeta imortal, Eugénio Tavares. E é agora uma velha quase esfarrapada e tão desamparada, sem o brilho dos seus vinte anos. Porém, já dizia o meu avô, «chave velha não se deita fora.» Quem sabe, junto com as outras peças soltas e dispersas, poderá ser a chave do futuro, a prever: turismar! Não estou em dias de protestar, apetece-me falar tão-somente da minha maravilhosa aventura no Ilhéu de Riba, ali na ilha da Brava. Foi um momento mágico, daqueles que ficam para recordar um dia. Euzinha desbravando tantas águas num dia que se dizia de mar brabo. Marinheira que sou, passei a viagem toda fotando ora a face da orgulhosa ilha do Fogo ora a tímida silhueta da ilha da Brava que ia ficando para lá das ondas maiores. Chegando ao Djéu di Riba, como é também carinhosamente apelidado, as surpresas iam sucedendo a cada passo. Em toda a minha vida, nunca tinha trilhado tão feliz da vida por entre as poeiras do tempo. Estar ali, uma tarde toda, cantarolando, fez-me recordar dos anos idos em que, ainda criança, catava conchinhas nas enseadas pela encosta de minh’aldeia: a secura, o sol escaldante, o cheiro húmido da maresia, a melodia das ondas e o areal ardente que a gente pisa com a pontinha dos pés. Toda esta emoção é maior do que o mar, que o céu! E no cambar da noite, mais um afago da ilha.

25/02/13



Confirma-se o imperceptível silêncio
das águas e o Universo é plagiado
a atear fogo no postiço das civilizações
deixando a morte de ser razoável para o soldado

O despertar do sol no estendal é confuso

A paciência ergue-se das árvores
e o céu precipita-se em quimera doidivanas
A matéria em branco sucumbe
ante a mecânica do sopro que sustenta a música
frouxa da voz costurada na boca nas ervas daninhas.

24/02/13

Depois do prazer


Do grelo ao rabo
O esperma saliente
De quem ali dormiu
Pernoitava tranquilamente

A vagina tão macia
Entre as pernas, amada
Satisfeita, adormecia
À brisa da madrugada

O calafate do seu prazer
Aquele mastro de tesão
Viu-se no sono se perder
Estrebuchado no duro chão

11/02/13


Três Estações da Lisboa Hermética:
                                                                                                                 O Retrato da Cidade; Eu na Caixa e o Outro Inventado





|UM|

Entra o navio mudo pela ranhura da foz do Tejo indefinido e espaçoso na minúscula retina ao se abrir a persiana para a fora do Universo rectangular. E o silêncio madrugador é um arfar cansado e aquoso do cavalo lusitano a jorrar nas escadarias de Alfama. Um comboio enferrujado pelos seus cem anos de corredura desagua a trote no Rossio para se esconder do frio de janeiro na pelugem do gato. Os borrões nos alcatrões são marcas traçadas a giz, onde, estão guardados os botões dos cochichos do Mercado da Ribeira. Todos os recados arcaicos da Moraria trancafiados nos estojos de costura; no umbral da porta, as idosas a envelhecem com os estuques em ruínas nas paredes das casas da Baixa Pombalina. Num exercício de memória a velhota prega com a mola de roupa as fotografias [a preto e branco] na corda do estendal que puxa o Elevador da Bica para a mesa da cozinha. O Navio continua entrando mudo pelo rio, sem explicar este gesto convencional nos exames sociais do mundo; dois milhões de telespectadores arrastam nas pedaladas da máquina de costura este animal de aço para o canto miudinho da sala de visita; perde-se o rebanho na Estação de Metro de Saldanha e os guardadores de gado jogam pedra na sorte pontiaguda de acertarem nas fontes rasas das árvores do Jardim do Príncipe Real. E naturalmente, já se viu que o Tejo é um rio manso e adequado para lavar o rosto do estrangeiro-pastor carregada as cavalitas na porta-bagagem do taxista. O puto reguila esfrega a ponta dos dedos no vidro da montra, tarraxa a chuva dos fins-de-semana num frasco transparente — onde tem alojado os insectos fosforescentes num frenesim de bicho cabeceado a tampa do frasco causando mau tempo dentro do recipiente. Alguns gaiatos do bairro do Campolide destruem grades e engenhocas dos edifícios altos — como os aparelhos do ar condicionado do Hotel Sheraton e das Torres de Sete Rios. Para no final da tarde acharem mais piada arremessar objectos cortantes aos aviões, de modo, a desmancha-las as asas de cartolina coladas com cola branca. Lisboa acorda a ensaiar o voo das andorinhas, o gato aconchegado no sofá espreguiça e corre para espreitar pela greta do cadeado da maleta se a Ponte 25 de Abril conserva aquela frescura de fios de cabelo fechando o rio numa lagoa, pronta para ser subalugada ao inquilino elefante que usa orelhas como barbatanas.[…]

08/02/13

Noite Tardia


rendi-me ao cansaço
fétido os meus dedos escrevem
o odor da minha resistência
não me sinto em paz com as teclas
que estrebucham o azedo do final do dia

não percebo muito do que penso
nesta tarde voraz que me segura
já é noite no dia que se fez tarde
enquanto lá fora o final de semana cresce

quero vida na voz longínqua das noitadas
quero paz no barulho do meu cansaço
como a água de uma ribeira seca
quero banhar-me na imensidão do nada
ao redor de muitos que nunca estão mesmo estando

vou-me acabar rastejando nos meus pulos
andar a pino rebocando o meu sorriso
atando na minha sola o timbre da Lua
sentir transpirar em apoteose o meu ser
de tanto rugir ao vento o doce favo da noite
perdido nas ilhas de sóis escondidos na algibeira
derretendo o meu cansaço nos lençóis da minha cama

06/02/13

TUBAROES AZUIS


T   Tudu nôs nu sta orgulhosus
U  Un bes nu mostra nôs denti
B  Bedju kritu di nôs rapazis
A Afrika treme i lenbra des dés Ilhas
R Rodiadu di agu mar salgadu
O Onti skesedu na mapa, oje labantadu
E Entuandu nôs norma, nôs funana
S Sem medu di perdi, pamodi dja nu ganha dja!

A Afrika recebe-no, nu mostra ma nôs ê bodona
Z Zeru nu ka é, nen na kultura nen na disportu
U Undi nu bai nôs marka te fika markadu
I I mundo ta speranu na Brazil nu ta bai
S Sen medu i ku serteza ma bola ta bai rola!

Em Fortaleza, 06/02/2013

04/02/13

Os tubarões azuis

Somos aqueles que sobreviveram as duas fomes
A alma e retórica do batuque de Nha Nácia Gomes
Somos os órfãos de 20 de janeiro de 1973
Aqueles que outrora Ovidio Martins chamou os de flagelados do vento leste
Os resistentes que as cabras ensinaram a comer pedras
 O povo que inspirou Manuel De Novas a escrever a biografia dum criol
 Que Ildo Lobo imortalizou na sua voz
 O povo da agricultura da seca, à espera da chuva semeando ao sol
O povo que não tem medo de imigrar e começar tudo de novo
Mas sem nunca abandonar o sonho de regresso
Mesmo 4 gerações nascidas longe de casa continuam a falar crioulo
Somos Sodadi de Cabo verde que Armando Zeferino Soares escreveu
Cesária Évora cantou, o mundo emocionou e o crioulo chorou
 Somos a memoria colectiva de fome 47 que kode Di Dona cantou
Somos o grito de liberdade de 5 de julho que Abílio Duarte
 Leu na várzea no LOPI
Somos todos o Antonio Lopi do fundo baixo
Que Ferro gaita cantou
Somos a garra e euforia das 10 ilhas
A maravilha da costa africana
A alma e a vida das líricas de Norberto Tavares
Cabo Verde e diáspora somos os 23 convocados do Lucio Antunes
 Somos todos os 11 que hoje vão entrar em campo no estádio Nelson Mandela Bay em Porth Elisabeth.

Somos os tubarões azuis e seremos sempre tubarões azuis.

                                                                                                         Tubarão Azul Jakilson Pereira

02/02/13

CABO VERDE PARA A FRNTE


CABO VERDE PARA A FRENTE

C             Carrega Cabo Verde para a frente
A             Arrasa e mostra a tua raça
B             Bola para a baliza contrária e marca
O             O teu povo nobre merece esta alegria!

V             Vamos mostrar e vencer no futebol
E              E dizer ao Mundo que tanto na musica como no desporto
R             Riquezas não nos faltam, temos ouro e prata
D             Diamante e petróleo e muito mais e mais
E              Em cada homem e mulher nossos estão as nossas riquezas!

Em Lisboa, 02 de Fevereiro de 2012

30/01/13



Cata-ventos calçados pontapeiam os ossos urbanos
as pontes árticas nas veias de água (ou coisa assim)

A placenta do universo e a encubação da Lua
avessas às terapias fêmeas da ternura da ave

Estourar as árvores pelas suas vértebras
Aparafusar os pontos cardeais nas pernas

A aparência dobrada a queima-roupa
no dorsal eloquente da pera rocha em queda livre no nulo

A bruma versátil entranhada
no vazio absorvente das trincheiras      
adoçadas no desabotoar incidente do oceano
na saliva dos bichos de martelos

A reação química dos aborígenes à curvatura do arco
Dados lançados e tocam-se as flautas sis sisos da poesia.   



Lisboa, Portugal

28/01/13

Espelho meu


Num punhado de vazio acorrentado
A esperança fértil e concomitante
Pingava nas veias daquele coitado
Enquanto fugia pela vida adiante

Vil estrada que animava o cansaço
Em dose de lágrimas amordaçadas
Numa mocidade fria e sem espaço
Repousavam as lamurias esgotadas

Espelho meu, amado espelho meu
Vejo em ti o eu que nunca existiu
Abraçado pelo amor que o esqueceu

Espelho meu, quem é que me mostras?
Sou a presença de quem sempre desistiu
Não há vida, aceitas as minhas apostas?

23/01/13

Diário de um thug



Corria pela rua acima quando a boca bedju fez de mim um espantalho. Não era preciso plantar o milho, nem afugentar o santchu para dar conta do meu espanto e dos gritos ensurdecedores que povoavam o universo do bairro. O grito era imponente, valente. Seguia em vaga de screem que levava a sua irra ao parlamento e palácio do governo. No horizonte, as estrelas cadentes cruzavam num ritmo frenético, riscando as letras da vida, uma nova alma em viagem. Na terra firme, os responsáveis da terra, dormia num eco de silêncio.

A irra da boca bedju fez o meu corpo estremecer. Engoli em seco, o meu coração dançava em batucada de inquietação e de medo; o meu coração não parava de «tuntunar». Algures, naquele momento, a Josefa desatinava aos gritos, choros estridentes que pesam na memória; a sua voz começara a deslizar na onda cartesiana que teve a harmonização nalgumas vizinhanças. A casa da Dona Segunda era o local de romaria. O ambiente era pesado, confuso. Há muito que não se ouvia tamanho prenúncio da desgraça no bairro. O vento trazia a música da desgraça: «Ai Pedrinho, Ai Pedrinho…Ai Pedro». O Pedrinho era a vitima de uma emboscada perpetrada por um grupo de thug; dos seus 47 anos, Pedrinho era o profeta e polícia do bairro. Era ele que se encarregava de levar o alho e a arma de prata para caçar os vampiros do bairro. Qualquer sinal de denúncia, o Pedrinho ou chamava a polícia ou dava curativos nos bandidos. Por ser altruísta levou o «troco» por defender a comunidade.

O seu corpo parecia uma escultura de pirâmide de Egito. Homenzarrão que não condizia com o seu nome; 2 metro de porte, peitudo e de mãos largas, com a cara de Malcom X. Da sua escultura jorrava os fluidos que serpenteavam na planura vermelha de chão ferroso. O vermelho do chão lacrara uma vida perdida.
(...)

21/01/13


Com o círculo e ciência
podemos dobrar as asas
para que o mar  voe
e com a outra mão desenhar
com lápis o silêncio

Traçar no papel
a alegria as praias de banho
entupidas de esqueletos

Secreto o menino cresce
um pouco dentro de tudo
na companhia por vezes das moscas
e no fogo que partilha

O vazio do jardim dói
pela multiplicação do pão
– o pão transparente, obeso
em comparação com os instrumentos
músicas mais para o fôlego
do que para a respiração.


Lisboa, Portugal

19/01/13

Deixa-me tocar-te


















Deixa-me tocar-te,
Deleitar-me nos teus encantos.
Deixa-me embalar ao som das tuas doces cordas musicais
Encontrar-me na tua perdida voz de aura enternecida.

Deixa-me pousar minha cabeça nas tuas mãos
Sentir teus calos a estalar na minha pele
Teu suor a escorrer pela minha face,
Dizendo-me baixinho ao ouvido
Todas as suas histórias
Suas desavenças e reconciliações de vida.

Deixa-me desvendar-te,
Tocar-te nas tuas cordas e compor-te uma canção.
Deixa-me seguir teus passos
Olhar no fundo do teu mar e não me intimidar
Com o barulho das tuas ondas.
Seguir em frente
Mergulhar na tua alma de artista
Entranhar-te nos ossos
Nos lábios
No sangue.
Desenhar tua escultura na minha essência.

Deixa-me ser tu em tudo
Deixa-me copiar-te em tudo
Deixa-me olhar para ti como meu mundo.
Deixa-me fazer de ti minha intimidade
Minha vitória
Minha história.
Deixa-me possuir-te como se já não fosses ti próprio.
Deixa-me ser tu.

18/01/13

É a minha sensação


                           É a minha sensação 

De um pensamento sem sentido,
                a mentira sobre o destino,
                  os meus caminhos se formam.
                      Confuso entre a física e matemática, 
                              procuro compreender a natureza da tua beleza

Na noite, iluminada pela lua
        sem direcção ando pela rua. 
                 Entre cruzamentos e as leis
                           perdido na minha sensação.  

De tudo que eu ouvi
       das palavras magicas que usaste,
              do que as palavras fizeram me sentir,
                               há leis que eu não podia cumprir,
                                     momentos que perdi, as lágrimas caíram.
                                                  É a minha sensação

     No mundo que ando
               o caminho percorrido
                            é a ti, que eu entrego
                                      sem sinal para voltar atrás
                                  
                                            É a minha sensação 

16/01/13

O OUTRO

















As águas que passam deixam uma torrente de ar que me transporta às peregrinações do mundo. Metamorfoses de um corpo único, trilhado pelos sons da vida que carregam os males da alma e também as alegrias, dependendo do olhar com que se vê. Dependendo também do tempo e do espaço.

Piso com estes pés de cal sobre a terra molhada que dissolve este ar impregnado de nós, de pontos em retalhos. Alimento minha alma com este esplendor que me toca as vestes, que me toca a pele e desnudam os sentidos impostos, os padrões recalcados pela vida no côncavo dos meus sentidos.

Saio por instantes deste casulo e consigo ver o outro, consigo ver-me a mim própria. Toco por instantes este corpo único que nos funde e paro no tempo, por instantes, a pensar que não há limites nem pontos finais. Há sim continuação das coisas. Há sim eus vários que desconheço, para além daqueles em que me fixo para analisar o mundo.

De repente vejo que não estou só. Continuo assim o meu percurso, único, mas sem deixar de olhar para além disso.

14/01/13

Tóta Barela ku Tótó Monteru (Nhu Anu Nobu)


TÓTÓ – Homi qui kré passa kâ sabi
É cássa ku mudjer tagarela
Ali ‘m cumâ porta sem tchabi
Na dés qui ‘m djunta ku Tóta Barela
Góssi li sim logo lá
Tardi lá Grecha també
Pundi qui bu sai é Tóta qui flá
Tóta stâ sima tchota galé
TÓTA – Kâ tem pâ mudjer mâs injúria
Qui cássa ku homi moquêro
Ali ‘m ku fidjos na penúria
Na dés qui ‘m pari ku Tótó montero
Ora na bar ora na badjo
Ôtro ora lá na fornodja Cunta
Tótó mufino Tótó bandadjo
Tótó stâ sima Qui crúxa munta
TÓTÓ – Si djâ bu kré pâ nu passa piada
Ôbi cussé qui ‘m tem pâm flábo
Bu tene côxa bu stâ cunfiada
Djâ bu squêce modi qui ‘m atchabo
Ku lanciado tracolado
Lenço nha pilota pano brasa
Tóta pobre Tóta mariado
Tóta tâ anda cadidjo tâ basa
TÓTA – mal é duê boca é pâ pâpia
També djâ bu squêce tempo bédjo
Cantu bó era santho tâ câmpia
Inda êl stâm claro cumâ spêdjo
Ku camissona di russinha
Sem calça na caram di corpo
Cabeça piôdjo pé di pulguinha
Tótó ku lama sima um porco
TÓTÓ – Tóta bu tem cara labrada
M’ cássa ku bó bu fassém bu cuêdjo
Bu dexam ku águ na labada
Calça ramangado ti tâ bâ duêdjo
Bu nganam ku cússa di meu
Pâm anda só ku rosto na tchon
Tóta flâm na quêm m’tâ trá tchapéu
Si é na Morgado ô na Patron
TÓTA – Bu kâ conchi côbi bu horta
Pâ modi nunca bu foi labrador
Ês alébi pôco mi ‘mporta
Tótó bu kâ dexam dábu nha flor
Bu sirbim pâ tres fidjo mandioca
Um liton barriga di bosta
Cu ‘m cabritinho pé di soca
Tâ subi porta tâ cai di costa
TÓTÓ – Bu tem razon djâm dábu corda
Bu pôdi flâ tudo sem concêncha
Dá cego luz é misercorda
També é um átu di pachêncha
Si mi era moquêro mufino
Pâ modi Tóta bu córre nha trás
Si djâ bu creba ôtro distino
Djâ temba Tóta ôtro rapaz
TÓTA – Quêl gó é sina tudo mudjer
Pâ mar pâ rotcha pâ céu ô inferno
Nunca nu cúda modi êl tâ ser
Candu nu stâ na nôs inverno
M’ crebo tcheu cumâ nha truz
Bó é só di meu m’ tâ dâ um brinde
Tótó pâ mâs qui nu kré cúscuz
Nu kâ tâ trâ nariz pâ nu fássi binde

Nhu Anu Nobu ( Fulgêncio da Circuncisão Tavares)

13/01/13

Metáfora Definição do Batuque 

Entre as muitas mulheres que improvisam almofadas fofas para as pulgas das crianças traquinas; nha Nácia Gome (sem usar o compasso, esquadra e régua) é quem melhor deu espessura à cadência e concavidade da composição musical do batuque. Esta música arrepia o sono e coito interrompido das badias do Oráculo. Pergunte ao meu cão de guarda tisnado na pelugem pela nódoa das bananeiras — que espreguiça no regaço que a minha mãe aquece para me acariciar — para comprovarem a verdade de que o gato [com a sua antena de insecto] dança batuque e tem a mania esdrúxula de que consegue alcançar num disparo a cabeça no primeiro som da batucada. Nunca se conseguiu esta façanha de ouriço-do-mar, de respirar com a cabeça dentro duma tina de água, mas diga-se de passagem: em todo o interior da ilha de Santiago a imagem preto e branco de Cabo Verde engrossa todas as pedras para dar lugar às algas. A terra-mãe obriga ser lavrada nos repisados passos da txhabeta[1], o rebolar do quadril da menina-moça no semicírculo erótico — da gema do cio e do acasalamento — é o primeiro lugar do mundo onde se perde parte da inocência. No terreiro a exibição e as nádegas obedecem o ritmo compassado e frenético das batucadeiras; a mão-cheia que distribuía  doces de coco aos filhos, é que faz repercutir um eco açucarado numa repercussão instrumental que sobe litros de sangue à cabeça do cavalo. Acredite que toda a mudjer di fora[2] tem a sonância verbal do mar na garganta, e é habitualmente obcecada pelo cântico dos grilos e o crepitar do Sol plástico na sementeira — ofício da enxada no fogo que partilhamos no almoço.         



[1] Passos frenéticos e compassados de dança 
[2] Mulheres de meio rural ou do campo

Incenso

















Poeiras,
Apenas poeiras.
Poeiras da minha alma,
Que me desafiam e me limitam os sentidos.

Olho para os lados
A procura de beleza,
Pura beleza!
E não vejo nada que me cure da minha sorte.

Poeiras,
Apenas poeiras,
Que emanam do meu olhar
Poluindo o ar.

Levanto-me do chão e olho pró céu
A espera que me acalme
E num grito de dor e desespero
Encontre minha pele nua,
Minha pele escura,
Soluçando minha ausência,
Meu desalento.

Caminho…
Os meus pés descalços
Pisam no chão pedrado pelo calor do sol.
 As pedras que me ferem,
Ferem o meu corpo apenas.
Uma dor menor, muito menor
Do que aquela que sinto e não tem cor.

Viajo ao sabor do vento,
Só, ao sabor do vento
Que me transporta
 Para os segredos da minha existência
E eu tento lá no fundo de mim
Descrever as sensações que me provoca.
E continuo a caminhar
A procura de qualquer coisa
Que me cure deste vazio sem nome.