Vejo uma cruz cinzenta ao pé da encosta que me viu nascer
Com meu nome escrito por extenso
Encho minha pele de verrugas
Cuspo no chão que me negou a sorte.
Menosprezo meu ventre que tão bem me acolheu
Parto sem rumo a procura de um norte que me abrigue.
Parto a procura da diferença que me faça, por segundos,
Enternecer meu ventre, entrar no presente
E saborear o sabor do vento.
Parto a procura de uma enchente de ternura
Que não saiba a carinho explícito,
Que não seja adocicado demais
Que não seja do tamanho do meu ego aparente
Que não seja nem meu nem eu.
Parto, estico os braços e por instantes,
De olhos fechados, sinto-me fora de mim,
Toco na minha pequenez, rio de meu próprio reflexo
Reflectido nos tornozelos de minha sombra.
Parto a procura de sensações entusiásticas
Que me façam criar, circunstancialmente, um palco
Onde consiga escolher o repertório inteiro
E seja o mais próximo de um eu
Que nunca terei a certeza que seja o meu.
Parto a procura de sensações
Nos mais pequenos pormenores
Que me saibam dizer, em silêncio,
Onde se esconde a minha sombra.
Que me aponte caminhos,
Que me faça ver pegadas.
Parto e não sei se volto.
Não sei se devo olhar para trás.
Talvez já tenha, no mais recôndito de minha alma, espreitado la para fora
Mas não sei dar conta de que lados se esgueirou,
Sorrateiramente, minha alma nos seus lastros de lucidez.
Olho para a frente e não sei, no instante presente,
Dar sentido e vida ao que vejo.
Tento desesperadamente olhar bem no fundo
Aquilo que presumo ser meu som em nítido desprezo
Para com as luzes que se apontam na minha direcção
A espera de um aceno.
De um toque apenas.
Parto, mas não sei se volto.
Parto apenas. Sempre.