Sabe-se actualmente que Iva Pinhel Évora nasceu
talvez no sítio de São Francisco, no concelho da Praia (Santiago), a 31 de
Dezembro de 1893. O pai, António Pinhel Évora nasceu na ilha de Santiago, era lavrador
e tinha “uma bela caligrafia.” Sua mãe, Maximiana Monteiro da Rocha era
igualmente natural da ilha de Santiago, foi lavadeira e não sabia ler nem
escrever. Iva foi baptizada na Igreja de Nossa Senhora da Graça, Praia, a 13 de
Junho de 1894. Foram padrinhos João F. Pereira de Mello e Mascarenhas
(solteiro, caixeiro) e Amália Cândida Nunes d’Aguiar Alfama (casada,
proprietária), ambos residentes na cidade da Praia (cf. Almeida, 2004: 4).
Patrick Chabal (1983: 29) havia afirmado que Iva
Pinhel Évora “came
from a very modest São Tiago family and did not receive any formal schooling at all.” Porém,
existem também informações que contrariam tal
asserção. Com base nas entrevistas realizadas aos familiares desta
protagonista, Julião Soares Sousa (2011: 44) assegurou que, “à semelhança dos
restantes irmãos, Iva Pinhel Évora apenas pôde completar a instrução primária.”
Para além disso, conforme certificou José Maria Almeida (2004: 4), tal como o seu
pai, ela tinha “uma bela caligrafia.” Tendo em atenção que, ao
tempo, a maioria da população feminina não tinha facilmente acesso à educação
formal e muitas mulheres permaneciam analfabetas ao longo da vida, pode-se perceber
que o facto de ser originária de um dado meio geográfico, onde havia um certo
número de estabelecimentos de ensino primário, e filha de pai com alguma
instrução teria favorecido a sua ida para a escola, ainda que ela não pertencesse
aos estratos mais elevados da sociedade.
Em 1922, quando
tinha 29 anos de idade, ela emigrou para a Guiné, com o seu primogénito de nove
meses (Ivo Carvalho Silva, nascido a 24 de Novembro de 1921) e o seu
companheiro (João Carvalho Silva, que seria funcionário das finanças nessa
outra colónia). Mal aportaram na Guiné, tal relação chegou ao fim. Ao que se
sabe, nesse mesmo ano, Iva Pinhel Évora conheceu Juvenal Cabral, o seu futuro companheiro (Chabal, 1983: 29; Sousa, 2011: 44).
De acordo
com o historiador guineense Julião Soares Sousa, existe uma nota
administrativa, escrita na véspera do Natal de 1923, revelando que “outra
mulher, residente em Bafatá, tinha entrado na vida de Juvenal Cabral, o que
certamente justificava as frequentes ausências deste do seu posto de trabalho em
Geba.” Tal nota, da autoria do administrador, informava que “essas ausências
eram motivadas pela necessidade de fiscalizar o negócio de uma ‘loja em nome de
uma mulher’, que com ele vivia naquela cidade, para além de outro
‘estabelecimento semelhante em Geba, mas que se encontrava em nome da sua
própria mulher’.” Com efeito, Julião Soares Sousa confirmou, nessa época, a
“existência de duas mulheres: uma a viver em Bafatá, que se trataria de Iva
Pinhel Évora, e a outra, a ‘própria mulher’, que deveria ser a Ernestina Soares
de Andrade, ao tempo residente em Geba com a sua, já nessa altura, numerosa
prole.” Também, numa nota enviada à administração, a 23 de Dezembro de 1923,
Juvenal dava conta que, “achando-se em férias, seguiria para Bafatá, ‘a fim de
preparar uns documentos’ que lhe seriam necessários, pois tencionava ‘mudar de
situação’.” Entretanto, passados nove meses, um novo facto de registo
prendia-se com o nascimento de Amílcar Cabral, a 12 de Setembro de 1924, filho
de Juvenal Cabral e Iva Pinhel Évora (Sousa, 2011: 41 e
49-50).
Tudo indica
que, em 1926, após o fim da relação entre Juvenal e Ernestina, este passou a
viver maritalmente com a Iva. Ali, em Geba, a 19 de Maio de 1927, nasceram as
gémeas Armanda e Arminda. Também, tudo leva a crer que, em 1929, o casal já
estava separado, sendo que, nesse ano, registaram e baptizaram os seus filhos,
na Praia (Santiago). Nesse ano, Iva residia temporariamente no arquipélago.
Porém, aquando da sua viagem à ilha, com intenções de ficar definitivamente,
Iva encontrava-se grávida de António da Luz Cabral. No retrato abaixo, estampado no seu Bilhete de Identidade, que foi solicitado
a 7 de Abril de 1930, na cidade da Praia, nota-se a figura de uma mulher
elegante de vestido, colar grande no peito e cabelo longo e ondulado para trás
e com uma risca na lateral esquerda da cabeça (cf. Chabal, 1983: 29-30; Almeida, 2004: 4; Sousa, 2011: 53-57).
Por dificuldades de readaptação, Iva regressou à Guiné, em 1930 ou 1931, “tendo
fixado residência em Bissau, mais concretamente no bairro de Chão-de-Papel,
onde [...] partilhou a mesma casa com o Juvenal e a sua nova família.” Ali, em precárias condições financeiras, Iva teria ocupado confeccionando coisas
caseiras para comercializar no sector informal. Em 1932, Juvenal regressou definitivamente
ao arquipélago de Cabo Verde, levando consigo Amílcar, Armanda e Arminda (frutos
da sua relação com a Iva), uma vez que, talvez por motivos de saúde maternal e
infantil, a sua esposa portuguesa Adelina havia permanecido em Santiago, desde
o fim do primeiro trimestre desse ano, com o seu filho primogénito dessa nova relação
(Luís Cabral, nascido em 10 de Abril de 1931). Tudo indica que Iva ficou na
Guiné, “alegadamente impossibilitada de viajar por ter sido vítima de um roubo,
que a obrigou a tentar refazer a sua vida antes de partir.” Mais ou menos um
ano depois, em 1933 ou 1934, ela regressou ao arquipélago de Cabo Verde, fixando
residência em Ponta Belém (Praia), e reassumindo a tutela dos seus filhos que estavam
com o pai deles, no interior da ilha de Santiago (cf. Tomás, 2007: 49; Sousa, 2011: 56-66). Pedro Martins (1995: 173) assegurou que a conquista da
custódia dos filhos não teria sido nada fácil: “quando a Dona Iva Pinhel Évora,
mãe de Amílcar, ia visitá-lo, assim como aos outros filhos [...], eram criadas
dificuldades imensas, e os meus avós tinham que interceder para que ela os
pudesse ver. Geralmente, era em casa dos meus avós que a Dona Iva se encontrava
com os seus filhos [...]. Amílcar [estava] muito atrasado nos estudos. Ela
chorava, e Amílcar consolava-a naquele tom convincente que possuía desde
criança: ‘Mãe não chore. Um dia hei-de fazer-te feliz’.”
Tudo indica ainda
que tinha sido, na Praia, que Amílcar iniciou os estudos, seguindo, em 1937,
com a mãe e os restantes quatro filhos dela, para a ilha de São Vicente, a fim
de frequentar o Liceu Gil Eanes, único que havia no arquipélago. Tal deslocação
da Iva e de todos os seus filhos devia-se talvez à falta de familiar que
pudesse acolher o seu filho estudante, que havia concluído a instrução primária
com distinção (cf. Sousa, 2011: 67-94). Em São Vicente, atendendo às necessidades
de subsistência e da educação dos filhos, Iva não se poupou a esforços. Na sua
situação de mulher independente e chefe da sua família, teve que se desdobrar
em várias ocupações, tendo sido não apenas operária numa fábrica de conserva de
peixe, mas também costureira e lavadeira de militares portugueses, que estavam na
ilha de São Vicente, durante a II Guerra Mundial. Em 1944, Amílcar concluiu o
liceu, tendo regressado para a Praia, juntamente com a sua mãe e os seus irmãos.
A propósito,
na única entrevista que concedeu, pouco antes da sua morte, em 1977, Iva Pinhel
Évora deixou um testemunho da dureza dos dias passados: “cansei-me demais na
máquina, na tina e no ferro; a trabalhar dia e noite porque não tinha auxílio
do pai” (apud Lopes, 2002: 45; cf. Sousa,
2011: 44 e 92). Numa referência acerca do trabalho da sua mãe e da penúria que
assolava o arquipélago, Amílcar Cabral (1974: 57) recordaria: “quando eu estava
no liceu, a minha mãe [...] empregou-se na fábrica de conserva de peixe, porque
a costura não dava nada. E sabem quanto é que ela ganhava por hora? Cinco
tostões por hora, e, se houvesse muito peixe, podia trabalhar 8 horas por dia,
ganhando 4 pesos (escudos). Mas se o peixe fosse pouco, (era preciso andar
muito para chegar à fábrica) trabalhava uma hora e ganhava cinco tostões.” É importante
reflectir que, neste apontamento de Amílcar Cabral, nota-se não só o reconhecimento
dos sacrifícios de uma operária (e sua mãe), como a sua utilização propagandista
contra o sistema colonial. Todavia, Iva pôde contar igualmente com os ordenados
do seu “filho mais velho de outra relação, Ivo Carvalho da Silva [...], que
havia frequentado ‘a escola de carpintaria e marcenaria’ [...] [e do seu filho Amílcar,
que] dava explicações” (Sousa, 2011: 92). Justando todos esses esforços, Iva Pinhel
Évora conseguiu garantir o sustento da sua família, num tempo de seca, de crise
alimentar e de derradeira decadência do Porto Grande de São Vicente. Entre 1944
e 1945, já instalado na cidade da Praia, Amílcar ocupou-se como ajudante de
tipógrafo na Imprensa Nacional. Seguiu para o ensino superior, em Lisboa, em
1945, tendo concluído o curso de Agronomia, em 1952, e fundado o Partido Africano para a Independência da Guiné e Cabo Verde, nos
anos cinquenta.
Ao que
se sabe, “mãe e
filho viram-se, pela última vez, em 1959” (Lopes, 2002: 45). Amílcar foi
assassinado na Guiné-Conacri, a 20 de Janeiro de 1973. Na altura, Iva Pinhel Évora residia em Bissau,
tendo deslocado ao país vizinho para o funeral do filho (Tomás, 2007: 284; cf.
Ygnatiev, 1975; cf. Castanheira, 1995). Aquando da independência de Cabo Verde (5
de Julho de 1975), ela estava ainda viva. Morreu em Bissau, em Agosto de 1977.
(parte de um texto em construção)